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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Capítulo 8~



Eu não olharei para trás na sombra de meu passado,
Eu quero sentir seu calor
Lágrimas estão caindo. Mesmo quando eu estou perdida
Eu não largarei sua mão.”
- Starless Night (Olivia Lufkin)

ALLANA
Enquanto íamos ao restaurante, Dan segurava minha mão fortemente. Era notável a felicidade em seu rosto. Lembrei-me então da música da minha Olívia: “Amor infinito, eu posso amar até mesmo seus defeitos. Porque você é minha estrela brilhante”.
No meu sonho, ele tinha o brilho de uma estrela. Era o brilho da estrela que agora é só minha, mesmo que isso fosse contra toda lei ou conceito desse mundo.
- O que você está pensando?
- Em uma música da Olívia...
- Puxa, você só pensa nessa cantora! - Disse, ainda sorrindo.
- Era a letra da música. Me lembrou de você. - Atravessávamos a avenida movimentada.
- Qual é o nome dela?
- Noite sem estrelas. Você não conhece, nunca escutou.
Entramos no restaurante e sentamos em uma mesa reservada. Os cardápios já estavam ali e rapidamente fiz a minha escolha.
- Quero o número 43, strognoff de frango com Champignon.
- E eu o 57, filé mignon ao molho rosé.
O garçom anotou o pedido.
- Bebida?
- Você tem aquele vinho francês de 1840?
- L’amour? Temos sim.
Assim que o garçom saiu, encarei Dan.
- Que nome clichê!
- Serve para o momento. - Ele riu, antes de acariciar meu rosto.
Os pratos chegaram rapidamente e o vinho foi servido nas taças.
- Ontem eu liguei para a faculdade. Eles nos deram quatro dias a mais, devido ao seu ferimento, então na quarta nós voltamos.
- Sinto falta daquelas aulas de psicanálise.
- Você é a única pessoa no mundo que sente falta de alguma aula de faculdade.
- Vai dizer que não sente falta de algo de lá?
- Apenas dos meus amigos. - Ele tomou um gole do vinho. - Engenharia química não é uma coisa tão interessante quanto Psicologia.
Tomei um gole do vinho, que desceu doce pela garganta.
- Você nunca foi uma pessoa que gostou de coisas doces. O que está acontecendo com você, Dan?
- Está falando pelo vinho? Odiei quando o tomei pela primeira vez. Mas agora a culpa é sua de me fazer gostar de coisas doces.
- Por que diz isso?
- Seu perfume, seu cabelo, o sabor do seu beijo. Tudo é doce. Um doce que me viciou e me fez apaixonar. - Ele tocou minha mão que estava sobre a mesa. Um choque bom passou dele para mim.
Corei violentamente e abaixei os olhos.
Terminamos de comer e enquanto eu saia do restaurante, Dan foi pagar a conta.
- Está cansada?
- Estou sim. Vamos para casa?
- Claro! Mas vamos até aquele Café ali primeiro. - Dan apontou para um Café que estava próximo ao nosso carro.
O nome do Café era Demetri’s Coffe. Um lugar todo rosa e marrom, com mesas e algumas poltronas num canto reservado, ótimas para quem gosta de ler.
Sentei em uma mesa enquanto esperava Dan. Em poucos minutos ele voltou com dois pratos pequenos de Petit Gateau, para minha enorme alegria.
Nos deliciamos com aquele doce maravilhoso e assim que terminamos, senti que ia explodir de tão cheia.
- Agora sim, vamos embora!
Saímos do Café, direto para o carro.
Em casa, fui direto para o quarto de Dan. Levei um susto ao notar que minha cama não estava mais lá.
Como se soubesse o que eu estava pensando, mamãe chegou à porta do quarto.
- Já que a garotinha está andando e não precisa mais de ajuda pra tudo, decidi arrumar os dois quartos como era antes.
Dan chegou ao quarto, levando um susto também.
- Sem problemas mamãe, - menti - era isso que Dan e eu faríamos quando voltássemos.
Ela sorriu para mim e deu um beijo na testa de Dan, antes de descer as escadas.

DANIEL
Olhei para o quarto. Faltava algo importante ali.
Allana já estava no próprio quarto, arrumando-o. Eu continuava olhando para o meu, vazio e sem graça. Passava uma comédia romântica na tv e eu não parava de pensar na minha irmã.
- Isso é uma loucura. - Bufei alto, falando comigo mesmo.
Tudo está errado. Nós estamos errados.
Olhei para o retrato do meu pai, junto com outras fotos na parede. Ele continuaria sorrindo assim se soubesse o que eu e Allana estamos fazendo? Talvez, só talvez... Se eu explicasse para ele a intensidade do meu amor por ela, se eu dissesse que ela possui todos aqueles requisitos que pedi em uma futura esposa, se... Apenas se ele me entendesse, se ele estivesse aqui.
- Dan? - A voz suave da minha irmã soou atrás da porta, seguido de algumas batidas fracas.
- Já estou indo. - Me levantei da cama e olhei de relance para o relógio, que marcava 8:27 pm.
Abri a porta e ela já estava de pijama. Olhava acanhada para o chão, com vergonha de mim. Essa era a primeira vez que estávamos conversando em casa, depois do passeio. Como eu adoro esse rosto vermelho, principalmente quando sei que é por minha causa.
Olhei para a foto do meu pai sorrindo e pedi desculpas internamente, por amar sua preciosa filha e minha própria irmã. Mas é impossível desistir dela agora que eu sei que ela sente o mesmo por mim.
- Vamos fazer um brigadeiro de colher? - Ela sorriu, olhando para mim e não pude deixar de puxá-la para dentro do meu quarto e lhe dar um beijo quente e terno.
- Você está linda. - Segurei seu queixo e ela ficou mais vermelha do que já estava. - Você já jantou? - Ela apenas fez que “Não” com a cabeça. - Então vamos jantar primeiro.
A peguei no colo e desci as escadas.
- Eu posso andar, Dan. - Ela segurava minha blusa. Era tão leve quanto uma pena e o perfume do seu cabelo exalava a cada movimento.
- Você não pode se movimentar bruscamente.
Nossa mãe estava arrumando a mesa quando coloquei Allana no chão.
- Já ia chamar vocês, o jantar está pronto.
Cada um tomou um lugar na mesa e jantamos.
- Então crianças, como foi o passeio? - Nossa mãe cortava a carne como se estivesse perguntando apenas por educação.
- Foi legal, mãe. - Disse, sem ânimo.
- Sim, aquele parque é maravilhoso! E depois, fomos comer num restaurante onde a comida é muito gostosa, e ainda comemos Petit Gateau num Café muito aconchegante. - Allana sorria enquanto relatava o momento bom de hoje. Claro que para mim, estar ao lado dela foi o que mais importou.
Terminamos a refeição em silêncio e Allana começou a retirar os pratos para serem colocados no lava-louças. Eu e minha mãe tirávamos as panelas para levá-las ao fogão.
Concluímos rapidamente a limpeza e ajudei Allana a subir as escadas, levando-a no colo de novo. Enquanto minha mãe ficou na sala vendo televisão, a levei até o meu quarto.
- Deixe-me ver esse machucado. - Olhei para sua perna. - Amanhã nós vamos ao hospital tirar os pontos.
- Sim, sim. Não sinto mais dor como antes.
Sentei-me do seu lado e segurei seu queixo. Estava vermelha, como sempre.
- Allana, posso te dizer algo?
- O que?
- Eu te amo.
Ela sorriu e sussurrou “eu também te amo”, antes de me beijar.

ALLANA
Dan bateu na minha porta logo pela manhã.
- Allana, levante-se! Vamos ao supermercado!
Meio preguiçosa, levantei-me da cama, separando um vestido simples na cor salmão. Coloquei qualquer sandália e meu costumeiro perfume, arrumei o cabelo e saí do quarto em seguida.
Dan estava saindo de seu quarto também, com uma camisa polo na cor preta. Ele olhou para mim e sorriu, aquele sorriso que me deixa corada.
- Você está linda!
- Você também está. Mamãe já está pronta?
- Sim, ela já está no carro. Acordou mais cedo que eu.
Ele me pegou no colo, mesmo com minha insistência em dizer que eu poderia descer sozinha.
- Ai Allana, você é tão inocente...
Estávamos perto da porta da sala, para ir à garagem.
- Por que diz isso?
- Eu só pego você no colo pra poder sentir o cheiro desse perfume - Ele colocou a mão no meu cabelo e sentiu o cheiro do meu creme - Cereja...
Corei violentamente.
- Por que a demora, meninos? - Mamãe chegou na porta, de repente. - O que está fazendo Daniel?
- Tinha uma coisa estranha no cabelo da Allana, então eu fui tirar. Algum problema?
- Vamos logo. - Ela olhou para mim e foi em direção ao carro. Daniel e eu a seguimos, quietos.
No carro, mamãe colocou novamente o CD de Beatles e começou a cantar. Logo, nós três cantávamos alto o refrão de Yellow Submarine.
“We all live in a Yellow Submarine,
Yellow Submarine, Yellow Submarine.
We all live in a Yellow Submarine,
Yellow Submarine, Yellow Submarine.”
Estávamos felizes, mesmo que num curto espaço de tempo, ao lembrar do papai. Mamãe sorriu para nós, como se não existisse mais dor, mais lágrimas. Como se a pessoa que amávamos nunca tivesse partido, mas estivesse apenas em uma longa viagem com passagem de volta.
ALLANA
Os dias passaram rapidamente logo estaria de volta à faculdade. Dan e eu tínhamos apenas dois dias restantes para aproveitar. Então, acordei no sábado totalmente disposta para arrumar todo o primeiro andar da casa e minha mãe ficaria com a parte debaixo, onde havia a cozinha, a sala e um banheiro social. E meu irmão com o quintal, claro.
Comecei pelo meu quarto, onde tirei todo o pó e passei pano com um alvejante com cheiro de rosas. Ficou tudo extremamente bonito, como sempre costumo deixar.
O próximo seria o quarto da mamãe, que havia ido à padaria e levado o Harry, nosso labrador, como faz todos os dias bem de manhãzinha.
O quarto dela estava bem desorganizado. Mamãe é uma mulher desorganizada, na verdade. Ela troca de roupa várias vezes quando vai sair e sempre deixa tudo em sua poltrona.
- Ei! - Era Dan, que vestia apenas sua costumeira calça de moletom - Isso aqui tá uma bagunça! Vou te ajudar.
- Sim, por favor!
Dan começou a dobrar as roupas e guardá-las no closet. Assim que ele o abriu, notei que as roupas do meu pai ainda continuavam ali, mas preferi ficar quieta.
Comecei a arrumar sua bela cama com lençóis na cor prata.
- Está tudo aqui. Sinto até o cheiro dele aqui... - Dan dizia enquanto olhava para o lado do closet do papai, com seus ternos e roupas sociais à mostra. Sem pestanejar, Dan abriu a primeira gaveta, onde estavam as gravatas. Pulou a segunda, sabendo que se tratava de roupas íntimas e meias e foi até a terceira e última do closet.
Cheguei mais perto para ver a gaveta, onde tinham três caixas pintadas de ouro velho. Pareciam com pequenos baús. Dan retirou uma caixa e a abriu.
Eram fotos. Fotos antigas.
- Olha você, Allana! - Ele virou a foto para que eu pudesse ver uma criança de uns três anos, com um vestido rosa. Os cabelos eram lisos e no ombro e tinha uma franja reta, deixando o rosto mais bochechudo do que costuma ser. - Você era linda. E continua sendo.
Sentamos no chão e começamos a olhar várias e várias fotos que haviam lá. Percebemos então que esta caixa tratava-se apenas de mim e do meu irmão, desde pequeninos. Uma foto em particular do meu irmão me chamou a atenção.
Nela, meu irmão estava com uma blusa e calça social. Estava com os cabelos loiros cortado em tigelinha e uma das mãos estava no bolso da calça, fazendo pose. Parecia não ter mais que cinco anos. Seu sorriso me contagiou de tal forma que sorri também.
- Eu era um gato, não é? - Ele olhou para mim, que deslumbrava a foto. - Nossa, eu ainda sou um gato!
- Para de ser metido, Dan. - Sorri e ele me deu um selinho rápido.
Guardamos a primeira caixa e a colocamos na gaveta. Retirei a segunda que era mais leve do que a primeira. Abri e vi uma foto grande da mamãe com o papai.
Eram várias fotos dele com ela, de quando eram mais jovens. E fotos da mamãe grávida.
- Era de mim ou de você? - Ele olhou várias fotos em que ela parecia estar no sétimo ou oitavo mês. - Ela está bem parecida em todas.
- Temos só dois anos e meio de diferença. A aparência dela não mudaria assim, tão rápido.
Continuei olhando as fotos, que não eram tantas. Mais ao fundo, notei que havia um papel vermelho, como se fosse um envelope. Ele era quase imperceptível, pois o interior da caixa também era vermelho. O peguei e abri.
- O que tem aí, Allana?
- Mais fotos. - Retirei as poucas que haviam no envelope e me surpreendi.
- Mas quem é...
- Crianças? - Mamãe estava na porta do quarto. Pulei de susto e enfiei o envelope debaixo das pernas do Dan, pois suas calças largas eram um ótimo esconderijo. - O que fazem aqui? Ah, olhando as fotos! Seu pai guardou todas nessas caixas, separando as fotos de vocês, nossas e de sua família. Pensei em jogar fora aquela caixa ali, mas mantive tudo intacto, como ele deixou. Bem, - Ela concluiu depois de respirar fundo - Os pães estão quentinhos na mesa, vou preparar o café.
Ela saiu e meu ar finalmente soltou.
- Mas quem é essa mulher? - Os olhos do meu irmão ficaram quase vermelhos de raiva. Se fosse o Super-Homem já teria carbonizado essas fotos. - Ela está beijando o nosso pai.
- Olha o rosto dele, era bem novo. Com certeza era uma namorada bem antiga.
- Mas por qual motivo ele deixaria as fotos de outra mulher? - Ele olhou novamente para a foto - Ela é muito bonita!
- Ei, menino! - Retirei as fotos que estavam em sua mão e olhei. Sim, muito bonita! Com penetrantes olhos verdes e cabelos cor de mel. Guardei-as no envelope e coloquei tudo como estava.
- Deixe-me pegar a outra caixa! - Dan pegou, com um pouco de esforço - Essa está bem pesada.
Abrimos e tinha uma grande foto sobre todas as outras. Era uma foto colorida de uma mulher e um homem de idade, sentados e muito bem vestidos. Papai estava atrás, junto com a nossa tia, que morreu quando eu e meu irmão éramos pequenos.
- Olha, acho que é a vovó e o vovô. - Mostrei a foto pro Dan, e olhei a parte de trás onde dizia: “Família Hawkeye”.
Não sei porquê, mas a bela foto não agradou nenhum pouco meu irmão.

DANIEL
Peguei a foto e a olhei mais de perto. Não pode ser nossos avós, pois papai disse... Ele disse...
Levantei-me rapidamente e fui em direção à sala, mas parei no meio das escadas. Claro que minha mãe não saberia de nada. Eu deveria perguntar pro meu pai!
Fui até meu quarto, onde a foto sorridente do meu pai estampava a minha parede.
- Por quê mentiu pra mim? - Olhei a foto que estava em minhas mãos novamente - Isso é algo tão bobo pra se mentir, mas por que fez isso?
Eu não receberia respostas de uma foto. Meu pai olhava sorridente para mim, mas na foto que estava em minhas mãos, não era ele que me interessava. Era a minha avó.
Minha vó possuía olhos tão negros quanto um ônix. E algo não se encaixava nesse quebra-cabeça.
- Isso é loucura, pai. De onde veio os olhos verdes da minha irmã? Você me disse que eram da sua família. - Olhava para ele em ambas as fotos, não acreditando que não poderia resolver essa situação. - Você quer esconder algo que minha mãe fez? Ou alguém da família que ela não goste? Você poderia ter-me dito que não sabia! Não precisava mentir. Mas se mentiu, então escondeu algo.
- Papai escondeu algo? - Levei um susto e olhei pra ela, que já estava bem próxima de mim.
- Não é nada, Allana. Eu vou resolver isso! - A abracei e lhe dei um beijo quente.
Só havia um jeito de resolver isso.

ALLANA
Daniel me levou até o quarto da mamãe. Eu já havia guardado as caixas, então ele apenas colocou a foto que tinha em mãos dentro da terceira caixa e em quinze minutos terminamos de limpar tudo.
- Vamos limpar o banheiro e o quarto de hóspedes antes de tomar café?
- Claro, Allana.
Daniel corria com a limpeza, o que achei um pouco estranho. Eu tinha certeza que ele me escondia algo, mas decidi perguntar depois.
O quarto de hóspedes sempre fora bem arrumado, bastava apenas limpar o chão. Fiz a limpeza do banheiro enquanto meu irmão decidiu terminar o serviço no primeiro andar, indo até o escritório do papai.
- Pronto, Allana? - Acenei positivamente com a cabeça e Dan pegou a vassoura e o rodo das minhas mãos, me deixando apenas com o baldinho de alvejante nas mãos.
Mas antes que descesse, segurei em seus braços.
- Me diz, o que você está escondendo? Por quê está apressado?
- Vou te dizer tudo à noite, quando você for pro meu quarto.
Continuei sem entender, mas confiei em suas palavras.

DANIEL
Tomamos o café da manhã com calma e em silêncio. Allana continuava a me olhar aflita e nossa mãe estava na cozinha.
- Coloque um short e uma blusa bem leve. Hoje eu quero dar um banho no Harry. - Seu olhar mudou e ela sorriu empolgada pra mim.
- Tudo bem!
Em pouco tempo estávamos no quintal. Eu comecei a limpar a casinha do Harry, então o soltei pelo grande espaço.
Ele pulou na minha irmã, que ria e acarinhava-o. Peguei a mangueira e liguei, jogando o jato de água em direção ao cão.
- DANIEL! - Fingi surpresa ao notar minha irmã tão molhada quanto Harry. Ela correu pra cima de mim, com a roupa colada e grudada no seu corpo, pegando a mangueira e jogando-a em mim.
Olhei para o fundo da casa. Pela janela, pude ver nossa mãe vendo televisão, sentada na sala. Aproveitei a oportunidade para beijá-la. Nos beijamos de forma tão intensa que nossos corpos quase se tornaram um só, tamanha proximidade.
- Mas que porra é essa, Daniel? - Não precisei me afastar de Allana pra saber quem era o autor da voz.

ALLANA
Afastei-me rapidamente de Dan, encabuladíssima.
- Que porra é essa? O que você tá fazendo Daniel? - Charlie estava com os olhos em brasas enquanto se aproximava de Daniel. - Acha que Allana é um pedaço de carne como as outras que você pode se aproveitar? Você é um...
- Olha o que você fala Charlie. - Daniel disse entredentes. - Isso não é da sua conta.
- Foi por isso que me afastou dela? Você queria se aproveitar da inocência da sua irmã!
Começaram a brigar como dois lutadores profissionais. Eles iam se matar!
- Chega, os dois! - Ambos pareciam animais.
Peguei a mangueira e os molhei, fazendo-os levantar rapidamente e me olhar com raiva. Me aproximei de Charlie.
- Desculpe Charlie, eu não quis te magoar.
- Você é um lixo, Daniel! - Apontou o dedo para o meu irmão, acusando-o. E em seguida, se aproximou de mim - Você acha que amar o próprio irmão é certo, Allana? - Ele simplesmente virou as costas e foi em direção à saída.
Antes que eu fosse atrás dele, Daniel me segurou.
- Deixe-o!
Assim que a porta bateu, mamãe foi até o quintal.
- O que aconteceu com o Charlie? Ele estava todo molhado e bravo...
- Nada mãe. - Daniel disse rudemente.
Abaixei a cabeça pensando no que ele me disse: "Você acha que amar o próprio irmão é certo?".
Isso não saiu mais da minha cabeça.

DANIEL
A brincadeira da tarde acabou e à noite, sem fome para jantar, tentei ligar pro Charlie.
- Charlie?
- Por que você me ligou? Acho que o que aconteceu à tarde foi suficiente pra nossa amizade acabar, não foi?
- Charlie, é a minha vida. A minha escolha. Eu sei que é difícil, mas a última coisa que quero é alguém que nos aponte o dedo e...
- Eu a amava, seu idiota! Há vários anos! - Ele ficou mudo e não sabia mais o que dizer - Ela é sua irmã, Daniel. Você sabe que isso é muito errado.
- Amar alguém é errado, Charlie? - Ele não respondeu e continuei - Eu a amo... Sei que isso é complicado, mas nunca tivemos contato como irmãos antes. E agora não nos vemos assim... Preciso de um ombro amigo nesse momento, alguém que me ajude a lutar pelo que sinto. Eu faria tudo para que nós ficássemos juntos, Charlie. Eu casaria com ela a qualquer momento, apenas para tê-la comigo pra sempre.
- Me deixe pensar, Dan. Você sabe o que eu sentia por ela, isso me machucou.
- Você sabe que a escolha de ficar com ela não dependia apenas de você.
- Até amanhã, Daniel. A gente conversa com calma depois.
E desligou.
- Dan? - Vi Allana na porta, olhando para mim. - Você disse que falaria algo para mim.
- Desculpe Allana, eu... - Cogitei que a melhor opção seria que ela não soubesse de nada. - Eu só fiquei pensando naquela mulher que estava com o nosso pai.
- Você não me engana, Daniel. A foto em questão é a do vovô e da vovó. - Ela se sentou do meu lado, me encarando.
- É só que, nosso pai me disse uma vez que ele havia perdido a foto da família Hawkeye. Talvez porque ele tenha tido receio de nos mostrar e nos deixar tristes e com saudades da nossa tia Judy. - Menti, torcendo para que minha irmã acreditasse nessa história boba.
- Papai me conhece muito bem, se há um tempo atrás eu olhasse essa foto, cairia aos prantos. - Ela riu de si mesma e respirei aliviado, sorrindo.
- Bem, infelizmente amanhã voltamos às aulas. - Disse dando uma olhada no meu celular - Já são dez da noite!
- Sim, e você não desceu para jantar.
- Estou sem fome.
- É o Charlie, não é?
Apenas acenei, positivamente.
- Amanhã você vai vê-lo e resolverão as coisas, Dan. - Allana bocejou e ficou de pé. Ela estava estranha, como se o ocorrido de hoje, tivesse nos afastado. - Vou dormir.
- Você não precisa ficar assim comigo. Nem pensativa pelo que Charlie disse a você.
- Dan, ele está certo. Não queremos ver, mas no fundo ele...
- E as coisas ficarão assim? Você vai se afastar de mim por causa dele? - Levantei-me de súbito e segurei seu braço para que não saísse do quarto.
- Isso não é certo Daniel. Não é... Normal...
- Amar não é normal? É isso que quer dizer? - A puxei mais para perto e ela não negou a aproximação.
- Amar o próprio irmão de forma não fraternal. É isso que quero dizer.
Afastei-me dela, completamente irado.
- Se no primeiro empecilho você desiste de mim, então é melhor não continuarmos com isso.
- Daniel...
- Sejamos sinceros Allana. Você não me ama da mesma forma que eu amo você. - Segurei qualquer lágrima ou expressão triste que meu corpo queria demonstrar e coloquei uma máscara inexpressível. - Como eu disse ao Charlie, a escolha de ter você não depende apenas de mim. E eu vou suportar isso.
- Daniel, eu amo você. Amo muito você! Sabe como tudo o que podemos passar será difícil?
- Sabe Allana, talvez essa fase passe tão rápido quanto meus últimos namoros. Porque no fim, você é uma garota como qualquer outra que eu já fiquei.
- O quê? - Os olhos dela começaram a ficar lacrimejados e me arrependi imediatamente de ter mentido mais uma vez para ela. Allana não pode ser compara com nenhuma outra mulher do mundo. Ela é única.
Antes que eu pensasse se isso poderia ser o melhor para nós dois ou não, Allana se virou e saiu do quarto, batendo a porta com voracidade. Sentei na cama, deixando a máscara cair e começando a chorar. Estava com raiva dela, que decidiu me abandonar pela primeira barreira que enfrentamos, estava com raiva de Charlie por ter dito aquilo à ela, estava com raiva de mim por ter magoado a garota que eu deveria cuidar como se fosse um diamante raro e com mais raiva do destino por ter-nos colocado como irmãos.

ALLANA
Tranquei a porta do quarto antes de desabar no chão gélido, chorando compulsivamente.
Olhei para a foto do papai sorrindo, que estava no meu mural. Daniel tem essa mesma foto no quarto dele.
Perguntei-me o que ele achava de tudo isso. Papai continuaria sorrindo assim se soubesse o que os filhos dele estão fazendo?
De qualquer forma, acabamos de dar um ponto final nisso. Eu deveria me sentir aliviada, pois não continuaríamos fazendo algo errado. Só que me sinto muito pior... Sinto-me destroçada, magoada. Meu coração se partiu ao meio.
Eu amo meu próprio irmão. Isso é um pecado que não consigo desvencilhar. Isso é algo errado, horrível, condenável! Mas nenhuma razão está sendo suficiente para eu perceber isso.
Caminhei até a cama. Amanhã, depois das aulas, vou falar com Daniel. Eu vou enfrentar qualquer coisa por ele. Ficaremos juntos novamente, nem que para isso precisemos enfrentar o mundo. Pois eu sei que estaremos unidos, nos amando. Pois isso pra mim é o certo, é o suficiente.
Deitei-me e dormi, esperançosa. Sonhando com o amanhã em que Daniel e eu estaremos juntos novamente, como deve ser.

DANIEL
Desliguei o despertador. Já estava acordado há algumas horas, pensando em Allana.
Eu teria que esquecer ela, nem que eu precise fazer uma loucura.
- Filho? Eu estou indo trabalhar e Allana já foi pra faculdade.
- Tudo bem, mãe. - Levantei da cama, indo em direção ao guarda-roupa, teria apenas as últimas quatro aulas hoje.
- Vá com o carro.
- OK...

Em uma hora já estava na faculdade. Tive uma aula maçante de cálculo e logo seria o intervalo.
Saí apressado, procurando por Charlie, que estava no corredor principal. Ele conversava com Cathy, descontraidamente.
- Charlie... - Ele se virou para mim, com cara de poucos amigos. Cathy sorriu ao me ver. - Podemos conversar?
- Se é sobre o que eu estou pensando, não se preocupe. Não tenho nada a ver com sua vida, amigo. Só queria que fosse sincero comigo, da mesma forma que sou com você.
- Sobre aquilo, Charlie. Não existe mais. - Olhei para o lado e vi que Allana me encarava, de longe.
Olhei para Cathy e sem pensar a agarrei, beijando-a. Em menos de cinco segundos, afastei-me rapidamente dela, escondendo o nojo, e olhei para onde a garota que mais amo estava, mas não havia mais ninguém ali.
Senti Charlie me pegar pelo braço e me levar para longe de Cathy. Ele me empurrou contra a parede e apontou o dedo para mim:
- O que você está fazendo Daniel? Eu disse que não ia me meter mais na sua vida, mas olha o que você acabou de fazer com a sua irmã! Cinco minutos antes de sair, ela foi conversar comigo.
Meu coração bateu mais rápido.
- O que ela...
- Ela disse que ia enfrentar qualquer coisa por você, mesmo que fosse contra o mundo. Vi verdade nos olhos dela, que ela te ama e muito. E pra quê? Pra você dar um beijo na maior vadia da faculdade e na frente dela!
Ela ia... Enfrentar tudo... Por mim?
- Brigamos ontem. Ela disse que estarmos juntos era errado e isso me deixou muito irado! Não sinto o amor que sentimos um pelo outro errado. Ela me magoou e quis... - Abaixei a cabeça deixando que algumas lágrimas rolassem.
- Pagar na mesma moeda?
Sentei no chão, colocando as mãos na cabeça. As aulas já haviam voltado e estávamos apenas Charlie e eu no corredor.
Ele também se sentou do meu lado e apenas concluiu:
- Você tá ferrado, cara.
- Olha Charlie, você quer me ajudar ou piorar ainda mais o meu dia?
- Se quiser eu falo com ela, Dan.
- De que vai adiantar?
- Você acha que ela vai escutar você?
- Não sei Charlie. Fui um idiota. Se eu soubesse disso antes eu faria questão de beijá-la na frente de todos. - Encostei a cabeça na parede. - Eu achei que ela não me quisesse nunca mais, então queria mostrar que eu a esqueci. Que agora a amo apenas de forma fraternal, como ela quer.
- Olha cara, se eu a tivesse como irmã e ela me quisesse como homem, não pensaria duas vezes em lutar por ela.
- Isso porque ela não é sua irmã de verdade, imbecil. Se fosse, talvez você não a veria como uma mulher.
- Você a vê como mulher, sendo o irmão dela. Então não dê palpites.
- Certo. Então, o que você vai falar pra ela? - Suspirei fundo, pedindo aos céus para que tivesse uma máquina do tempo agora do meu lado, para que me levasse de volta à primeira aula.

CHARLIE
Não que eu queira fazer isso. Muito pelo contrário.
Mandei uma mensagem para o celular de Allana, dizendo para nos encontrarmos no final da aula, no estacionamento. Depois de muita insistência, ela aceitou.
Ver aquela menina andando com seu vestido lilás e com os seus cabelos lindos ao vento, me fez ter vontade de dizer tudo o que sinto por ela. Que se dane seu irmão.
Seus passos eram como de uma bailarina. Leves e charmosos. Meu coração bate forte toda vez que olho para aqueles olhos verdes. Ela é linda.
- Oi Charlie. - Sua voz... Nunca fui tão fascinado por uma garota, como sou por ela.
- Acho que você sabe sobre o que vim falar... - Cocei a cabeça, sem saber por onde começar. - Eu quero te explicar tudo o que ocorreu, entende?
- Eu acho que vi suficiente. Não precisa detalhar o que aconteceu. - Hoje seus olhos estavam tristes e vermelhos. Amaldiçoei Daniel por fazer uma garota como ela chorar.
- Não é sobre o evento que aconteceu. É sobre o porquê aconteceu. Por favor, deixe-me explicar. Juro que não vai levar mais do que cinco minutos.
- Charlie...
- Por favor, Allana... - Não sabia nem porquê estava fazendo isso. Talvez seja o amor forte que sinto por ela, que me faça preferir que ela seja feliz ao invés de estar comigo.
- Tudo bem. Vamos até a sorveteria. - Ela me puxou pela mão - Lembre-se que me deve um sorvete de cereja e chocolate.
- Claro...
A sorveteria ficava em frente à faculdade. Allana foi até o caixa, fazendo seu pedido. Pedi apenas um milk-shake e logo estávamos em uma mesa, num canto do estabelecimento.
- Comece.
- Bem, você sabe que ele fez aquilo de propósito, não é?
- Uhum.
- E você sabe que ele te ama, certo? - Não tanto quanto eu, pensei. Mas as palavras ficaram entaladas na garganta. - Eu sei que ele é um idiota, um acéfalo, um imbecil, um...
- Prossiga, Charlie.
- Bem... Como eu estava dizendo... Ele quis te magoar, porque foi magoado por você. Ele ficou muito bravo porque você disse que amar ele era errado, e mais coisas que você sabe que falou.
- E?
- Como assim, “E?”? Ele está aflito, não achou que você pensaria em voltar com ele depois do que disse ontem.
- O que ele fez, está feito.
- Pois é Allana, mas o que você fez ontem também estava feito, mas você quis mudar seus pensamentos hoje. Você não se arrependeu do que fez? Ele também. - Tomei um gole do meu milk-shake. - Eu acho que se ele está sendo capaz de passar uma borracha no que aconteceu ontem, você deveria fazer o mesmo.
Ela ficou pensativa.
- Caramba, Charlie... Você será o melhor advogado do país. - Ela sorriu pela primeira vez no dia e sorri com ela.
Não sei quem é mais errado: Dois irmãos que se amam ou um cara que ama uma garota, mas faz de tudo para que ela fique com outro?
- E aí, Allana?
- Você está certo Charlie. - Ela já havia terminado a bola de sorvete de cereja e já estava começando a devorar a de chocolate. - Daniel deve ser muito grato a você. Você ama a irmã dele e mesmo assim, faz de tudo para que nós dois fiquemos juntos, mesmo sabendo que moralmente é errado. Você é demais. Merece uma garota que te faça muito feliz.
Levei um susto com o que ela disse.
- Apenas você já era mais do que suficiente para minha felicidade, Allana.
Ela ficou encabulada e olhou para seu sorvete, que estava derretendo. O de chocolate ela gostava que ficasse meio derretido, “assim era mais gostoso”, disse ela uma vez.
- Allana, - Ela olhou para mim, o rosto corado - me promete que se Daniel te fizer infeliz você vem correndo me contar? Vou te abraçar e te dizer que posso te fazer mais feliz em um dia do que ele te fará em cem anos. Me promete?
- Claro, Charlie. - Ela sorriu e suprimi a vontade de tê-la em meus braços.
Ela terminou seu sorvete e eu meu milk-shake. Logo estávamos indo em direção à casa dela. A cada passo, seus olhos brilhavam mais, talvez com a vontade de ver Daniel.
Quando chegamos, me despedi rapidamente, segurando qualquer palavra, sentimento ou desejo que eu tivesse por ela para que não se esvaísse ali. Ao vê-la entrar em sua casa, pensei em tudo o que estava acontecendo dentro de mim naquele momento. Deixando o maior amor que eu tive indo embora sem dizer adeus.